Fazendo missões no meio da guerra, da AIDS, da fome, da morte, da miséria

Vital Sousa, que desenvolve um interessante e abençoador missionário através da internet, entrevistou a missionária Noemia Cessito, que atua em Moçambique, num contexto de guerra, pobreza e Aids. Eis a entrevista.








NOÊMIA CESSITO  

Vital: Sua chegada a Moçambique foi marcada pela guerra. Como é chegar para fazer missões em um país em guerra?
Noemia Cessito: Sair de um País como o Brasil, onde tudo é paz é muito difícil, principalmente há 20 anos atrás, apesar de toda violência que sempre existiu e chegar numa Nação destruída faminta e sem esperança, foi alem do que eu podia imaginar.
Eu hoje vejo que sobrevivi, aprendi e cresci.
Vejo o Brasil com outros olhos, e com gratidão pelo que Deus tem feito nessa terra, pelas oportunidades, e hoje grata a Deus, porque Moçambique também esta em paz. Apesar da miséria, está em paz.
Mas também entendo que o povo era muito mais fervoroso e dependente de Deus naquele tempo, talvez por causa do comunismo.
Havia muito mais compromisso com o Pai do Céu, no tempo da perseguição do que hoje com liberdade.
Também tenho saudades desse tempo.

Vital: Seu casamento com um pastor da terra abriu uma exceção em missões, como foi isto?
Noemia Cessito: Eu posso responder em relação ao campo.
Em relação à Junta naquele tempo, foi muito difícil, não era aceito...
Mas anos se foram e a fidelidade de Deus não muda.
Quanto ao Campo, eu sai da cidade, da ligação direta com os missionários, inclusive brasileiros, e fui viver num distrito ainda afetado pela guerra, estávamos em guerra.
Era tudo diferente, a guerra não afetava diretamente a cidade, mas onde estávamos, muitas vezes deitada eu ouvia os estrondos, e não sabia o quanto estavam perto.
Isso me fez estar mais perto dos nacionais, e conhecer melhor a realidade deles, e sentir muitas vezes como eles.
Em muitos momentos, eu só tinha os moçambicanos perto de mim... E sem a minha família, o marido fazendo missões em outros distritos afetados pela guerra, sem saber se ele voltaria ou não.
Descobri uma família e aprendi a amar esse povo, pois nesse momento era este o meu povo.

Vital: Seu trabalho com portadores de aids em Moçambique tem despertado muitos brasileiros, como é o seu trabalho?
Noemia Cessito: Começamos com um bebê, que nos foi entregue porque os pais tinham morrido com HIV.
Quando esse bebê veio a falecer, continuamos envolvidos com a família, que era muito grande, e 16 pessoas começaram a vir e freqüentar nossa Igreja. Ainda estão lá hoje, abriram um outro trabalho que já é uma Congregação em Savane.
Então trabalhando no hospital, as pessoas perguntavam porque nos só ajudávamos crianças, por que não adultos, e assim começamos.
Hoje são 110 pessoas, mas 100 crianças na área de Nutrição.
Não é apenas um cuidado com os doentes, e sim com a alma deles, e muitos tem se convertido, estão sendo batizados, e tendo uma nova esperança.
Alguns estavam morrendo, sem esperança, sem nada... Os ativistas que são 10, liderados pela missionária voluntária Marilene Dutra, trabalham com eles, oram , levam ao hospital.
Procuramos dar alguma alimentação, eles têm muita fome e muitos morrem não por causa da enfermidade, mas por causa da fome.
Os que conseguem medicamento, não agüentam tomar, sem ter o que comer, e acabam morrendo.
Mas procuramos estar presente, e quando morrem, fazemos o culto, compramos caixão e temos que enterrar...
Mas tudo isso tem levado muitas pessoas a Jesus, tem sido um testemunho.
Apesar dos poucos recursos, que sempre estão em falta, seja no hospital com a sopa que diariamente levamos , seja nas visitas nos lares... Deus tem atuado de maneira poderosa.


Vital: Em um país com uma estatística oficial de 50% da população infectada com o vírus HIV em algumas regiões, qual é a perspectiva de vida?
Noemia Cessito: Para mulheres 40, 45 anos, para os homens 35 a 40.
Evangelizá-los, leva-los a um encontro com Deus, temos urgência em pregar o Evangelho e assim proporcionar a esse povo, um novo Projecto e Vida, mesmo que condenados à morte, mas, a vida eterna é a vitória sobre a morte, e, enquanto durar a vida física a qualidade pode ser melhorada com ações concretas.

Vital: Que o Diabo age através da feitiçaria africana é notório, como é lidar com um país onde a feitiçaria é uma cultura nacional, uma “religião” oficial, onde os curandeiros são considerados médicos...
Noemia Cessito: Temos que levar as pessoas a um compromisso verdadeiro com Deus.
Se as pessoas brincam morrem, adoecem, perdem tudo...
Só Deus pode livrar nosso povo, sem Ele não há esperança de nada, nada mesmo.
O Evangelho não pode ser vivido como religião, deve ser vívido como razão de vida.
A cobertura do sangue de Jesus é algo real e tem que ser vivido todos os dias.

Vital: A irmã saiu do Brasil há quase 30 anos; o Brasil não é um país de primeiro mundo, mas, tem fartura. Como é viver em um país onde a escassez de alimentos é rotina?
Noemia Cessito: A gente aprende a dar valor a cada grão no prato, a não desprezar a comida, a comer com gratidão.
Começamos a entender o que significa desperdício e a lamentar quem tem e não valoriza.
Aqui no Brasil não existe fome...
Sempre alguém vai ter como ajudar.
Lá não, quando tem fome, todos têm... E o pouco que se tem não se permite dividir.
Não e o caso do missionário, mas a realidade do nosso povo.

Vital: Como é este projeto da Padaria? Quais são as necessidades?
Noemia Cessito: Um sonho... Que aos poucos vai tomando forma.
Todo nosso sustento vem de fora do país, não temos nada que pode nos ajudar nos projetos que são muitos.
Então estamos construindo uma padaria, que vai viabilizar os projetos, vai trazer sustento, vai dar profissão e será mais um canal de evangelização.
Acabamos cobrir, com a promoção, alguns irmãos e igreja que se juntaram a nós e agora falta pouco, temos que rebocar e colocar portas e janelas, pintar... E continuar fazendo o que for necessário.
Já temos as maquinarias internas oferecida por um irmão da PIB de Curitiba, precisamos orar para que elas cheguem aqui. Estão no Porto de Santos-SP.
A necessidade maior é terminar, ter um padeiro, um confeiteiro que pudesse passar um tempo conosco, ensinando nosso povo no trabalho em padaria, na confecção de pães, bolos, etc.

Vital: Nós, da Igreja Batista no Bonfim e do Site Projeto Amor – www.projetoamor.com queremos manter uma horta comunitária na sua igreja ou proximidades; já enviei 35 pacotes com 3 g cada de sementes, é possível?
Noemia Cessito: A Escola El Shaddai já tinha esse projeto e estamos novamente trabalhando nisso; hoje mesmo falei com o garoto que me ajuda aqui em casa para recomeçarmos a fazer os viveiros...
Vai ser muito bom, a horta anterior os bichos comeram tudo, mas vamos tentar em outro lugar e vamos ver as sementes que mais se adaptam ao nosso solo.

Vital: A irmã uma filha e um filho, quais os sonhos da irmã e deles para o futuro?
Noemia Cessito: O primeiro que Deus sempre tenha prioridade na vida deles, que jamais se desviem dos caminhos do Senhor.
Que mesmo estando num campo com limitações na área da Educação, que tenham a oportunidade de estudar e vencer na vida, dentro dos Sonhos que Deus tem para eles.

Vital: O que a irmã espera dos batistas brasileiros de apoio aos moçambicanos?
Noemia Cessito: Que nunca desistam de orar e investir em Moçambique.
Nossa terra conta com o apoio dos Batistas Brasileiros,
Que se levantem para vir em nossa terra, nos apoiar e se envolverem mais em missões, não apenas um mês ou como uma lembrança... Mas que Missões seja algo diário, seja parte de cada Cristão Batista Brasileiro.

Vital: Se o tempo voltasse, a irmã iria de novo para Moçambique fazer missões em Moçambique? Por que?
Noemia Cessito: Iria, viria, voltaria...
Já vivi tantas coisas, guerra, fome, miséria...
Já vi tantas coisas... E hoje vejo o país em reconstrução.
Aqui eu me sinto em casa, me sinto no lugar que Deus preparou para mim, antes mesmo da minha existência.


Vital: Dê as suas considerações finais.
Noemia Cessito: Apenas minha gratidão, primeiramente a Deus, pelo cuidado Dele por nossa vida em meio a tantas lutas, podemos sempre contar com muitas e muitas bênçãos.
Minha gratidão a todas as Igrejas que nos receberam para promoção, por aquelas que oraram por nós, mesmo sem nunca terem nos visto pessoalmente, a gratidão por todos aqueles que têm investido em nós.
Nossa gratidão a Junta de Missões Mundiais e ao irmão por nos dar essa oportunidade de compartilhar o que Deus tem feito em nossa vida..


fonte:
www.prazernapalavra.com.br

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